segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Artigo publicado no DP, dom. 12 set 2010

BRASIL, CRESCIMENTO E ATRASO

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

O Brasil hoje é um país que cresce muito. Na imprensa mundial, são constantes os elogios a seu desempenho econômico, inclusive porque, diante disso e da expansão da China, Índia e outros países emergentes, a economia mundial fica ancorada em melhor posição. A crise mundial não se abateu; os Estados Unidos patinam; a Europa aperta o cinto. Aí se vê que os chamados BRICs têm oferecido uma saída para as dificuldades dos últimos tempos (a China, obviamente, por seu tamanho, à frente). Porém, a expansão econômica brasileira tem que ser encarada com uma dose de mal-estar. É que a qualidade de vida da população não acompanha o processo e tem mesmo tendido ao retrocesso. Quatro áreas ilustram bem o problema: saúde, educação, segurança e transporte público. De vez em quando, por exemplo, volta a dengue com redobrado vigor. Os hospitais públicos vivem entupidos de gente com atendimento precário. Ouvem-se depoimentos lamentáveis de pessoas que passam pelas agruras de não poder realizar seu direito humano fundamental de bom atendimento à saúde. Não é muito diferente o quadro da educação. Enquanto muitos países progridem no sentido da escola integral, o que se oferece no Brasil é uma farsa de ensino. Quanto à violência, é só conversar com qualquer pessoa para saber que ninguém sai de casa tranqüilo, sobretudo depois de certas horas. Assaltos dentro de ônibus são comuns. Viciados no crack se espalham em toda parte, carregando consigo a onda de violência que a dependência da droga se encarrega de frutificar.

Em matéria de transporte de massa, vivemos uma realidade insustentável. Como escreveu meu ex-aluno, o economista Jorge Jatobá, na revista Algo Mais de agosto último, ele “é pouco freqüente, inseguro e desconfortável, ou seja, irregular e de má qualidade”. Os parcos investimentos nele realizados, “como o nosso limitado metrô de superfície, levam muitos anos para maturar, desafiando a paciência do cidadão e multiplicando os custos das obras e das desapropriações com relação à orçamentação original”. Fico entristecido quando vejo alunos meus contando que levam duas horas e meia de casa para a universidade – e vice-versa. Esse tempo é recurso jogado fora, pois nele o estudante poderia estar lendo, aprofundando conhecimentos, se qualificando melhor. A situação fica mais clara quando se constata o que é feito em muitos lugares do mundo. Passei uma semana na Alemanha em agosto recente, participando de evento onde havia 800 pessoas inscritas. Quem nos deu abrigo foi a universidade da cidade de Oldenburg. Na nossa recepção, o presidente do encontro proclamou que nosso meio de transporte lá seria a bicicleta e o ônibus. Quem quisesse, teria direito a uma bicicleta e a inscrição no congresso garantia passagens gratuitas. O propósito disso era fazer uma reunião que contribuísse para o “baixo carbono” (poucas emissões de CO2). Aí foi que (junto com Vera, minha mulher) vi o que é qualidade de vida.

Andávamos de bicicleta do modo mais tranqüilo possível. Na cidade, a preferência no trânsito é dos ciclistas. Lá existem ciclovias em todas as ruas, quase sempre de ambos os lados, nas calçadas. Os pedestres têm seu espaço. Sobram poucos carros na rua. Pedalando, em dez minutos, íamos do hotel à universidade, a 3,5 km de distância. Todo mundo obedecia aos regulamentos. Nenhum automóvel bloqueava a passagem dos ciclistas. Podia-se, assim, manter uma velocidade regular. A mesma eficiência acontecia com os ônibus, com horário preciso (tipo 8h47 ou 14h03) para passar na parada. Somem-se a isso limpeza pública, ausência de ruídos de alto-falantes, inexistência de outdoors poluidores da paisagem, arquitetura elegante (sem os recursos medíocres do Recife) e parques admiráveis (nenhum absurdo do tipo Parque D. Lindu), etc. Percebe-se então a enormidade de nosso atraso. Crescemos economicamente. Regredimos em qualidade de vida. Em suma: vivemos pior.

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