domingo, 27 de junho de 2010

Artigo publicado no DP, 27 jun 2010

RECIFE, TRANSPORTES, 2014

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

Eu estava na África do Sul no período final da Copa de 2006. Andando por esse país, belo, rico, mas cheio de problemas, fiquei em dúvida se os sul-africanos poderiam fazer a festa do futebol mundial em 2010. Transporte urbano precário demais para melhorar substancialmente em quatro anos, o de lá, pensei. E a violência nas cidades, a ponto de um visitante ser alertado para não andar livremente? Em Pretoria, eu ia da universidade (muito boa, por sinal) para o hotel quando um estudante de Botsuana se ofereceu para me acompanhar. Era mais seguro caminhar com um negro. Até minhas corridas matinais em ruas e parques teve que ser sacrificada. Por outro lado, vi muita infra-estrutura de boa qualidade, com um sistema ferroviário mais consistente que o que resta do brasileiro. Em meio a tudo isso, minha avaliação era de que a África do Sul não parecia apta para sediar o mundial de futebol deste ano. Enganei-me.

Por isso, posso estar equivocado quando penso na tarefa quase impossível que vai ser dar condições ao Recife para se constituir cidade-sede da Copa de 2014. Não é pessimismo gratuito. Nosso sistema de transporte público, por exemplo, não merece confiança. Eu o testo de vez em quando, tomando ônibus (colaboração que dou para uma economia de baixo carbono). Faço-o em horários e roteiros mais convenientes. Mesmo assim, posso perceber o drama que é usar transporte público na Região Metropolitana do Recife (RMR). Converso com freqüência, a respeito, com meus alunos (tenho cerca de 100 na UFPE, atualmente). A maioria toma ônibus; alguns, o metrô. Aliás, que metrô, o nosso! Nunca vi mais lento. Sistemas muito mais antigos, como o de Glasgow – o primeiro a funcionar no mundo –, ganham do recifense em eficiência. Com a chuva da quinta-feira 17 de junho e o caos em que se transformou a RMR, os transportes entraram em colapso. O pai de uma estudante da UFPE saiu às 17h de sua casa em Piedade, nesse dia, para apanhar a filha e só conseguir chegar de volta à meia-noite. O Diario procurou captar o problema com a manchete de primeira página da edição de 18 de junho: “IMAGINE A COPA AQUI!” O período desse evento, lembremos, coincide com o das chuvas torrenciais na RMR.

Na verdade, o transporte é um problema grave, mas as dificuldades não se resumem a ele. Que alegria proporciona ser sede de jogos da Copa do Mundo quando a realidade humana da RMR revela tanta exclusão? Ninguém que vive nos seus condomínios cercados de segurança imagina o que sejam as perdas que sofrem comunidades da periferia recifense. Casas que ruem e matam pessoas. Bens destruídos, de quem só tem um mínimo para sobreviver. Os dramas ocorrem longe de nossas vistas. Porém, no noticiário de TV as lágrimas de vítimas das tragédias indicam o grau de sofrimento da população. Não é para essa gente que as políticas de aceleração do crescimento se voltam. Elas só fazem elevar os lucros de negócios que destroem o meio ambiente, expulsam comunidades e passam uma imagem de pujança exterior (caso de Suape, obsessão do governo do estado). Aliás, vai ser assim com a construção do estádio da Copa (já está sendo). Quem dá bola para o que pensam as pessoas que estão sendo expulsas da área em São Lourenço que vai se transformar numa arena esportiva? Nada disso tem importância; o que interessa é o espetáculo das obras de fachada luminosa, mas excludentes da população já marginalizada.

Em lugar de construir novo estádio, por que não escolher um dos três do Recife e melhorá-lo conforme as exigências (cabíveis) da Fifa? A intervenção necessária no entorno dos estádios existentes poderia ser minimizada criando-se um sistema de transportes que diminuísse sensivelmente a necessidade do automóvel (como se fez na Suíça) para a copa européia de 2008. Mas isso nos remete ao problema que nenhum prefeito do Recife até hoje soube resolver: o dos transportes da massa da população da cidade. Ruim? Não: péssimo.

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