domingo, 27 de junho de 2010

São João na Fazenda do Tao


Vera e Clóvis

Cacá e Cauê

Afonso

Alegria na janela

O balão anuncia a festa de São João

O quentão, preparado por Clóvis, esquenta a noite de São João

Valentina e Clóvis

Acende a fogueira

O que restou da fogueira

Banho de cachoeira para relaxar

Família no banho

A tradicional foto com familiares e amigos

Artigo publicado no DP, 27 jun 2010

RECIFE, TRANSPORTES, 2014

Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico e pesquisador social

Eu estava na África do Sul no período final da Copa de 2006. Andando por esse país, belo, rico, mas cheio de problemas, fiquei em dúvida se os sul-africanos poderiam fazer a festa do futebol mundial em 2010. Transporte urbano precário demais para melhorar substancialmente em quatro anos, o de lá, pensei. E a violência nas cidades, a ponto de um visitante ser alertado para não andar livremente? Em Pretoria, eu ia da universidade (muito boa, por sinal) para o hotel quando um estudante de Botsuana se ofereceu para me acompanhar. Era mais seguro caminhar com um negro. Até minhas corridas matinais em ruas e parques teve que ser sacrificada. Por outro lado, vi muita infra-estrutura de boa qualidade, com um sistema ferroviário mais consistente que o que resta do brasileiro. Em meio a tudo isso, minha avaliação era de que a África do Sul não parecia apta para sediar o mundial de futebol deste ano. Enganei-me.

Por isso, posso estar equivocado quando penso na tarefa quase impossível que vai ser dar condições ao Recife para se constituir cidade-sede da Copa de 2014. Não é pessimismo gratuito. Nosso sistema de transporte público, por exemplo, não merece confiança. Eu o testo de vez em quando, tomando ônibus (colaboração que dou para uma economia de baixo carbono). Faço-o em horários e roteiros mais convenientes. Mesmo assim, posso perceber o drama que é usar transporte público na Região Metropolitana do Recife (RMR). Converso com freqüência, a respeito, com meus alunos (tenho cerca de 100 na UFPE, atualmente). A maioria toma ônibus; alguns, o metrô. Aliás, que metrô, o nosso! Nunca vi mais lento. Sistemas muito mais antigos, como o de Glasgow – o primeiro a funcionar no mundo –, ganham do recifense em eficiência. Com a chuva da quinta-feira 17 de junho e o caos em que se transformou a RMR, os transportes entraram em colapso. O pai de uma estudante da UFPE saiu às 17h de sua casa em Piedade, nesse dia, para apanhar a filha e só conseguir chegar de volta à meia-noite. O Diario procurou captar o problema com a manchete de primeira página da edição de 18 de junho: “IMAGINE A COPA AQUI!” O período desse evento, lembremos, coincide com o das chuvas torrenciais na RMR.

Na verdade, o transporte é um problema grave, mas as dificuldades não se resumem a ele. Que alegria proporciona ser sede de jogos da Copa do Mundo quando a realidade humana da RMR revela tanta exclusão? Ninguém que vive nos seus condomínios cercados de segurança imagina o que sejam as perdas que sofrem comunidades da periferia recifense. Casas que ruem e matam pessoas. Bens destruídos, de quem só tem um mínimo para sobreviver. Os dramas ocorrem longe de nossas vistas. Porém, no noticiário de TV as lágrimas de vítimas das tragédias indicam o grau de sofrimento da população. Não é para essa gente que as políticas de aceleração do crescimento se voltam. Elas só fazem elevar os lucros de negócios que destroem o meio ambiente, expulsam comunidades e passam uma imagem de pujança exterior (caso de Suape, obsessão do governo do estado). Aliás, vai ser assim com a construção do estádio da Copa (já está sendo). Quem dá bola para o que pensam as pessoas que estão sendo expulsas da área em São Lourenço que vai se transformar numa arena esportiva? Nada disso tem importância; o que interessa é o espetáculo das obras de fachada luminosa, mas excludentes da população já marginalizada.

Em lugar de construir novo estádio, por que não escolher um dos três do Recife e melhorá-lo conforme as exigências (cabíveis) da Fifa? A intervenção necessária no entorno dos estádios existentes poderia ser minimizada criando-se um sistema de transportes que diminuísse sensivelmente a necessidade do automóvel (como se fez na Suíça) para a copa européia de 2008. Mas isso nos remete ao problema que nenhum prefeito do Recife até hoje soube resolver: o dos transportes da massa da população da cidade. Ruim? Não: péssimo.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Torcida Brasileira na casa do Vovô


Cauê e Afonso

Pepeu e Taís

Tiê e Lalá

Sammara e Thiago

Luisa, Bianca e Miguel

Cabral e Miguel

Afonso e Cauê

A torcida Cavalcanti adora festa

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O tradicional quentão de São João de Clóvis




Fiz o quentão com 6 litros de sumo de limão (120 limões galegos carnudos), 14 litros de Pitu, 1,2 kg de açúcar, gengibre, cravo e a canela foram da Fazenda do Tao. Passei duas horas nesse trabalho. Prefiro fazer tudo sozinho. Só peço que preparem a infra-estrutura. Depois de espremer o limão, com a ajuda de um velho espremedor manual, vou misturando a cachaça com o limão e experimentando. Depois boto o gengibre cortadinho e uma parte ralado, que espremo com um pano. É preciso provar. Tudo vai ao fogo de lenha, ao lado das panelas que estão cozinhando para um aquecimento lento. É preciso continuar provando...

domingo, 13 de junho de 2010

13 de junho, dia de Santo Antônio


Há 13 anos, no dia 13 de junho de 1997, Clóvis e Vera se encontram amorosamente, são 13 anos de viver, viver e viver... A Lulu de Olinda e Coronel Cavalcanti se completam no Tao...

A incrível LULU DE OLINDA e o internacional CORONEL CAVALCANTI

Lulu encontra seu homi
No forró da Fundação
Arrasta pé no salão
Numa festa de São João

Vai pra lá e vem pra cá
Ele num larga ela não
Lulu diz quase sem ar:
Isso aqui tá muito bão

Lá pras tantas do forró
Coroné convita e sai
Lulu nem sabe se é mió
Mas aceita e segue atrás

Chegando lá no destino
Com suco de Jenipapo
Mas homi seu minino!
Lulu caiu no seu papo

E quando raio o sol
Lulu vê um alazão
É Coroné Cavalcanti!
E ela achou que era visão

No ninho de São Francisco
Os dois pombinhos se espicha
Embalados pelo mar
Feito duas lagartixas

E a história continua
São as façanhas da vida
Vamos lá, conte a sua
Que nós registra querida!...

Artigo publicado DP, 13.6.2010

LEMBRANDO SIMON MITCHELL
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

No dia 26 de março último, perdi grande amigo – Simon Mitchell, antropólogo inglês nascido em 1937. Através dele é que fiquei conhecendo Porto de Galinhas. Essa praia era completamente ignota no ano em que ele foi morar lá, 1965. Simon viera com a mulher, Fanny (economista), para a pesquisa de campo do doutorado em antropologia que fazia na London School of Economics. Tinha bolsa do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS) que, naquela época, podia fazer isso. A partir de novembro de 1965 o casal se mudou para Porto de Galinhas, um vilarejo de 123 casas, com população de cerca de 700 pessoas vivendo em torno da pesca. Sítio ideal para trabalho etnográfico. No local Simon morou até junho de 1967. Na sua chegada, a primeira providência foi dotar a casinha (era só o que havia ali), alugada, de um mínimo de infra-estrutura. Num lugar sem luz elétrica e água encanada, um britânico que se graduara em Oxford (a mulher também, filha de professores de lá) precisava de, pelo menos, um banheiro decente. Foi o que ele construiu, além de pequena reforma no imóvel. Na primeira vez que foi ao sanitário, porém, Fanny jogou papel higiênico na privada, como se faz na Europa, criando um problema de imediato. A descarga não fez descer o que devia, sendo preciso refazer o sistema. Mas isso não atrapalhou o laço afetivo que o casal criou com uma Porto de Galinhas que parecia idílica.
Conheci-a nessa ocasião. Os veranistas que lá iam ocupavam meia dúzia de casas, todas sem eletricidade. As noites eram momentos de extrema satisfação para ver estrelas, tomar banho de mar e admirar pontos cintilantes na água (quando estávamos dentro dela) que mostravam o vigor biodiverso da área: as luzinhas eram do plâncton, primeiro elo da cadeia alimentar marinha, hoje difícil de encontrar no mesmo local. Gilberto Freyre e o antropólogo Roberto Motta conheceram Porto de Galinhas pouco antes de mim. Colheram impressão muito positiva. Não era fácil o acesso de carro ao vilarejo. Tínhamos que seguir uma estrada de areia com risco de atoleiro em alguns pontos. No entanto, havia uma abundância incrível de frutas na região – cajus de várias cores, formas e tamanhos; mangas de extrema doçura, carnudas; mangaba, cajá, jambo, sapoti, maçaranduba; uma variedade vegetal admirável. Sem contar os peixes capturados por uma população trabalhadora que parecia feliz. Estive em Porto inúmeras vezes, admirando seus manguezais, tomando banho de mar, comendo peixadas ótimas. A luz elétrica, salvo pela cerveja, não fazia falta. Pelo contrário, tornava as noites mais envolventes. Quando tudo isso ficou ameaçado e quase desapareceu, em virtude dos novos usos dados ao lugar (sem nenhum cuidado quanto ao equilíbrio ambiental), afastei-me de Porto de Galinhas.
Vejo-a, desde 1995, apenas de avião, quando passo por lá em minhas viagens aéreas. A mesma sensação de mal-estar me ocorre quando sobrevôo Suape, Muro Alto, todo o litoral pernambucano. Como é possível deixar que uma riqueza incalculável como essa que herdamos de milhões de anos de evolução da natureza e de eras geológicas de desenvolvimento do ambiente físico se desfaça num piscar de olhos – para sempre, de forma irreversível? Contra o que as idéias relativas ao complexo portuário industrial de Suape estavam promovendo protestei em 1973. Foi através da revista mensal pernambucana Confidencial Econômico NE, número de outubro daquele ano. Em 1975, redigi um manifesto, depois subscrito pelos ilustres membros da ciência pernambucana Vasconcelos Sobrinho, Nelson Chaves, José Antônio Gonsalves de Mello, Renato Carneiro Campos, Renato S. Duarte e Roberto M. Martins. Nesse longo documento, publicado pelo Diario em 6.4.1975, era feita uma crítica do que as obras anunciadas iriam promover em termos de destruição socioambiental. O que se denunciou então aconteceu. O que o governo dizia que ia acontecer, não. Faz pena ver agora o cenário que meu amigo Simon Mitchell me levou a conhecer há 45 anos.

sábado, 5 de junho de 2010

Dia do Meio Ambiente

No dia 5 de abril de 1975, um sábado, o semanário Jornal da Cidade (ano II, no 24, 6-12.4.75), do Recife, hoje extinto, trouxe enorme manchete de capa, com os dizeres: “CIENTISTAS LANÇAM MANIFESTO CONTRA O COMPLEXO DE SUAPE”. O Manifesto, redigido por Clóvis Cavalcanti, é este que vai a seguir

A propósito de Suape

Tem-se firmado como tradição do estilo recente de promover o desenvolvimento econômico – que se entende como aumento da renda per capita -, o lançamento pelo governo de grandes projetos de sua iniciativa, que as autoridades presumem consultar o interesse público e julgam satisfazer as aspirações da população, sem que uma consulta à última seja efetivamente realizada. Esta é uma regra quase universalmente seguida, cuja validade não tem sido – a não ser em casos excepcionais – posta em dúvida. Isto não impede, todavia, que pessoas interessadas e grupos de indivíduos manifestem sua opinião a respeito de tais projetos e empreendimentos, reagindo contra a pretensão de transformar em verdade indiscutível a tradição autocrática de não fazer a confecção de grandes projetos ser precedida de consulta às aspirações da coletividade. Estas considerações vêm a propósito do intento do governo de Pernambuco de implantar a todo custo, em sítio privilegiado do estado, um complexo industrial portuário, o Projeto de Suape, cuja elaboração tem avançado no sentido da realização da obra sem que atenção devida seja dada às vozes que manifestam oposição à iniciativa.

Pois bem, parece oportuno tornar público agora que a idéia de realização do complexo industrial portuário de Suape não é aceita pacificamente por todos os cidadãos que, além de pagar impostos, se sentem responsáveis pela elucidação de aspectos de interesse vital para a vida da população pernambucana. E não se trata, por outro lado, de mera reação suscitada por interesses feridos, a desses cidadãos preocupados com o bem-estar comum. O que há de relevante a examinar no que toca a Suape são variáveis que envolvem, inclusive, uma apreciação baseada em critérios puramente econômicos, dentro do figurino do mais rigoroso raciocínio analítico, da significação em termos sociais do projeto.

Em primeiro lugar, seja dado o destaque, ao decidir levar a cabo a idéia do complexo, o governo tomou decisões quanto à alocação de recursos em Pernambuco que implicam em se recusarem muitos projetos menores, iniciativas em setores e regiões diversas do estado, cuja necessidade de suporte econômico-financeiro conflita irrecusavelmente com os requisitos de Suape. Com efeito, a crer nas próprias informações do governo pernambucano, o total de investimentos previstos para o complexo envolvendo recursos públicos e privados, é da ordem de três bilhões de dólares[1], ou seja, cerca de 23 bilhões de cruzeiros[2], cifra que é mais da metade dos fundos que se investirão, no período 1975-79, no colossal Programa de Industrialização do Nordeste e quase oito vezes mais que os recursos consignados ao Polonordeste nos anos 1975-77, ambos de iniciativa federal e considerados projetos-impacto. É ocasião então de perguntar: que razão de benefício-custo ou que taxa interna de retorno norteou a decisão do governo de Pernambuco, ou para ser menos sofisticado, que grandeza da relação capital-produto serviu de marco de referência para Suape? Se algum parâmetro dessa natureza foi usado – e não se concebe procedimento de outra forma, pois se este fosse o caso, perderia seriedade qualquer escolha envolvendo massa tão formidável de recursos sabidamente escassos –, que alternativas serviram para a decisão tomada? Isto é, dado que Suape implica numa certa configuração do destino concebido para alocação de recursos, é de se esperar que o governo haja contemplado caminhos alternativos, configurações alternativas para o uso dos recursos envolvidos, de tal modo que, pesando benefícios e custos das diversas rotas por que poderia optar, resolveu, avaliando através de coeficientes técnicos relevantes, seguir o caminho de Suape. Indaga-se: o governo fez isto? Certamente que não, parece ser a resposta, tal a maneira quase histérica com que se fala do projeto, anunciando-se tão só suas vantagens, sem nenhuma alusão àquilo que os economistas em seu esoterismo vocabular classificam de “custos de oportunidade”.

Esquecendo o aspecto acima, seria admissível transformar Suape em complexo industrial portuário, se não fosse possível conceber para o local utilizações alternativas e se não houvesse a opção para o que ali se encontra. Assim, de um prisma estritamente econômico, a decisão do projeto continua controvertida, na medida em que Suape permite imaginar outros usos para sua feliz dotação de beleza natural e de outros recursos para o lazer, além de ser sítio histórico do maior interesse. A idéia do turismo, por exemplo, vem de imediato à mente quando se pensa em aproveitar recanto de tão comovente harmonia estética. Uma rigorosa avaliação não poderia indicar relação benefício-custo mais alta no caso do turismo do que no do complexo imaginado? Esta é uma indagação de cuja objetividade não se pode escapar e que deveria, para ser aceita a decisão do projeto em andamento, ter sido pesada e confrontada com a obsessão em que se transformou a implantação do parque industrial e pólo portuário de Suape. Afinal de contas, vai se permitir que o governo sacrifique um número incalculável de projetos de menores dimensões, mas de alcance social talvez maior, investindo formidável e maciçamente numa obra que pode até – se faltarem fundos em instantes críticos – terminar como um dos mais conspícuos elefantes brancos da megalomania algo irresponsável de tantos exemplos da atividade governamental no Brasil? Suape como projeto é muito mais do que simples distrito industrial, do que um açude ou um empreendimento da agro-indústria. Vale a pena meditar cuidadosamente, pois, nos retornos totais e nos custos completos – diretos e indiretos, sociais e privados – da iniciativa. Vale a pena também refletir no fato de que os possíveis empreendimentos que se dizem atraídos por Suape são fruto de entendimentos verbais com grandes grupos multinacionais, e que esses entendimentos não necessariamente resultarão em inversões. Deformando-se a paisagem com obras de infra-estrutura que transformarão Suape em feio canteiro de obras e que eventualmente poderão não ter utilidade, se os investimentos não forem cristalizados, ter-se-á cometido o crime irreparável de deformar a paisagem e profanar um sítio histórico – tudo isso em vão.

Toda a viabilidade do empreendimento, aliás, arrima-se em análises pouco cuidadosas, conforme transparece de detido exame do material preparado pelo consórcio responsável pelos estudos de base do projeto, sob a liderança da TRANSCON. De fato, o grupo técnico que definiu em documento para a DIPER a viabilidade de Suape buscou amparar-se em instrumentos metodológicos de rigor bastante discutível, usando para projeções que atingem até o ano 2005 hipóteses cuja solidez é frágil e cuja confiabilidade não merece respeito. Dessa forma, pairam dúvidas enormes, de natureza técnico-econômica, acerca da comprovação de que o Projeto de Saúde é viável. Basta mencionar a esse propósito, que as projeções de demanda que lastreiam a recomendação de quais indústrias localizar no complexo padecem de erros analíticos e que as previsões relativas ao comércio internacional não são visceralmente ligadas a estudos sérios que caracterizem perspectivas realísticas para o intercâmbio de bens e serviços em escala mundial nos próximos 25 anos. Na verdade, especular sobre tendências deste jaez não tem sido tarefa que, mesmo aos mais argutos observadores da conjuntura internacional – gente do porte de Kindleberger, Triffin ou Haberler –, tenha proporcionado gratificação intelectual, haja vista as inesperadas mudanças decorrentes da crise de abastecimento de petróleo desde outubro de 1973. Neste ínterim, incidentalmente, mudaram inclusive parâmetros essenciais da própria concepção original do Projeto de Suape, de que é exemplo a reabertura do canal de Suez, um elemento com que não contavam arautos das primeiras manifestações a favor do complexo.

Para aparelhar Pernambuco de porto satisfatório existe a alternativa, considerada inclusive nas recomendações do tantas vezes lembrado Padre Lebret e que com o passar do tempo vai se tornando cada vez menos viável, de ampliação e modernização do ancoradouro do Recife, uma opção que interferiria, é certo, com o tumultuado processo de desenvolvimento urbano da capital pernambucana, alterando algumas das referências atualmente utilizadas. Esta interferência, entretanto, teria um custo social provavelmente inferior ao de semelhante emprego de capital no caso de Suape.

Diz-se, por outro lado, que o complexo é defensável por oferecer uma senda segura para o insatisfatório grau de desenvolvimento de Pernambuco. Mas por que só entra Suape na concepção de um programa de expansão econômica efetiva para o estado? Se convenientemente aproveitadas as vantagens turísticas pernambucanas – a cidade de Olinda, o Recife mesmo, Nova Jerusalém e as praias da costa estadual vêm de pronto à memória –, poder-se-iam, quiçá com bem menor volume de recursos, lograr êxitos na trilha do desenvolvimento mais notáveis do que com um projeto de Suape de sucesso imprevisível.

Uma palavra por outro lado para o admirável cenário, verdadeiro patrimônio artístico, que a natureza ergueu em Suape. Pode se apodar de romântica a posição, mas o fato é que, se não houvesse outra escolha econômica para o local em questão a não ser o porto e se os recursos que este envolve estivessem efetivamente sendo otimizados nesta utilização comparativamente com qualquer outra, ainda caberia discutir a sabedoria de se alterar irreversivelmente a paisagem de que Suape foi dotada. Permitir que no sítio escolhido se construa um porto e um complexo de fábricas implica em perda definitiva de uma riqueza que faz parte do acervo de Pernambuco. Isto, em qualquer raciocínio analítico, representa um custo. Lamentavelmente, sua exata magnitude não pode ser aquilatada, de modo a que uma decisão calcada em método ortodoxo de quantificação possa ser tomada. Não obstante, é lícito especular sobre se os benefícios esperados no longo prazo superarão com tranqüila margem aquilo que se estima serem os custos decorrentes do sacrifício que se imporá à paisagem – para não trazer à baila problemas igualmente relevantes relacionados com a poluição do meio ambiente que grandes projetos industriais inevitavelmente acarretam. Podem os autores do estudo de viabilidade de Suape alegar que foi considerada a questão do turismo, que o projeto reservou uma área para tal etc. Mas, conhecendo-se a experiência dos sítios industriais no mundo inteiro e lembrando-se como se apresentam suas áreas vizinhas, cinzentas e deformadas, pode-se esperar que Suape seja capaz, de fato, de oferecer ambiente para o lazer – como acontece admiravelmente agora e como ocorreria na hipótese da solução turística? Não é só Suape que pagará, em termos de mutilação do meio ambiente e de deterioração da qualidade da vida, por conta do complexo que se deseja irrefletidamente, no sentido aqui comentado, instalar ali. Todo um conjunto de recantos preferidos por uma população que se descobre asfixiada no ambiente despojado de locais de finalidade recreativa do Recife serão também sacrificados, numa proporção cujos contornos certamente se ignoram no momento. A esse propósito, parece oportuno sugerir que o governo pernambucano siga o bem sucedido e pouco divulgado exemplo do governo do Rio Grande do Sul, o qual concebeu e implantou o Parque Estadual da Praia de Torres à base de um projeto de Burle Marx que, harmonizando inteiramente o cenário local com as inevitáveis necessidades de infra-estrutura, criou ambiente de grande atração turística e lazer.

Não se ponha de lado, por último, a significação histórica de Suape, tão pouco enfatizada nos raros debates que sobre o projeto têm ocorrido à luz da opinião pública. Ainda hoje são freqüentes os achados arqueológicos de indiscutível importância que têm sido feitos no local, peculiaridade que por si só deveria levar ao tombamento da área como parte do patrimônio que a história da epopéia pernambucana nos legou.

Tudo isso exige que se tome uma posição. Que se denuncie a fragilidade de um planejamento exclusivamente voltado para a promoção tacanha da produção de mercadorias e da renda per capita, não importando que custos a sociedade está pagando por esse esforço orientado pela busca apenas de maior bem-estar material. Que se considerem a experiência e sobretudo os equívocos cometidos pelos países já industrializados e que hoje lamentam a tomada de certas decisões pouco sábias, inclusive e principalmente no que se refere à detestada e combatida poluição do meio ambiente. Agora mesmo, quando o Brasil protesta de forma uníssona e veemente diante da tentativa – felizmente frustrada – do governo finlandês de jogar uma carga de arsênico em forma de lixo no Atlântico Sul, convém que se enfatize o perigo que é para nosso mar a instalação de fábricas gigantescas de fertilizantes e de alumínio junto à costa pernambucana, a lançar continuamente seus excrementos industriais em águas que ora são admiradas por uma festejada e cada vez mais rara pureza. Ainda é tempo de se reformar o esquema de Suape. Assim, nada mais justo que o governo se disponha a abrir o debate técnico em torno do complexo, de modo a que a responsabilidade daqueles que antevêem os ônus que recairão sobre a sociedade em decorrência da efetivação da obra possa ser resguardada. E que se evite o ufanismo oficial pouco sadio que chega a proclamar Suape como empreendimento irreversível, numa tentativa de fazer com que a população o aceite sem oposições, como fatalidade do crescimento econômico – que não é.

Clóvis Cavalcanti, diretor do Departamento de Economia do Inst. Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

Renato S. Duarte, Professor do Mestrado em Economia e da Faculdade de Ciências Econômicas da UFPE

Roberto M. Martins, Coordenador do Curso de Mestrado em Sociologia da UFPE

Nelson Chaves, Professor Titular da Faculdade de Medicina da UFPE

José Antônio Gonsalves de Mello, Professor Titular de História da UFPE

Renato Carneiro Campos, Diretor do Departamento de Sociologia do Inst. Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

João de Vasconcelos Sobrinho – Chefe da Estação Ecológica de Tapacurá e Titular da Disciplina de Ecologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco



[1] Segundo Governo Eraldo Gueiros Leite, Assim Servi a Pernambuco, Recife, março de 1975, p. 19.

[2] Não se sabe a que período os gastos se referem, nem tampouco qual a base dos preços utilizada, mas acredita-se que esta seja de preços de inícios de 1975.


Original do manifesto:







Manifesto de Suape em 1975