domingo, 10 de janeiro de 2010

Artigo publicado DP, 10 jan. 2010

OBRAS INÚTEIS

Clóvis Cavalcanti

Economista e pesquisador social

No blog Acerto de Contas, que leio de vez em quando, Pierre Lucena, um de seus responsáveis, postou comentário dia 30 de dezembro último sob o título “Os prefeitos do Recife e suas obras inúteis”. A lista dos empreendimentos é encabeçada pelo Parque D. Lindu, do qual a matéria exibe foto aérea que demonstra cabalmente sua inutilidade. Visitei esse (suposto) parque pela primeira vez no dia 20 de dezembro de 2009. Estava em Boa Viagem – coisa rara na minha rotina, devo dizer –, o que me permitiu ir até o D. Lindu (sugestão de minha mulher, Vera). Fiquei espantado com o caráter da iniciativa, implantada em área que era verde e que os moradores da vizinhança próxima desejavam que continuasse assim. A vegetação que resta ali é vaga lembrança da que justificaria parques como o da Jaqueira ou 13 de Maio, no Recife, para não falar da Quinta da Boa Vista, no Rio, do Ibirapuera, em São Paulo, do Farroupilha, em Porto Alegre, do Bosque Rodrigues Alves, em Belém do Pará. O D. Lindu tem uma quantidade absurda de cimento armado, implantada com a grife de Oscar Niemeyer, cuja fama, sem dúvida, não está relacionada a projetos desse naipe. Não sou crítico de urbanismo nem de arquitetura, mas é óbvio que um projeto pode agradar ou não pelo seu desenho à pessoa que o contempla. No caso do parque de Boa Viagem, o conjunto é medíocre – e nisso se inclui o monumento a D. Lindu e filhos (custa a crer que seja uma obra do grande Abelardo da Hora). Pelo vulto dos recursos despejados na polêmica iniciativa do ex-prefeito João Paulo, era para que algo melhor fosse oferecido por ela aos recifenses. E que estivesse concluída – até porque faz mais de um ano de sua inauguração. Do parque pode-se dizer: obra inútil; injustificada como gasto público em um regime democrático.

O bloguista Pierre Lucena reporta-se a outras obras inúteis dos prefeitos do Recife. Menciona Jarbas Vasconcelos, Roberto Magalhães, Gustavo Krause, Joaquim Francisco, Gilberto Marques Paulo. No caso de Krause, a inutilidade do que estava empreendendo por volta de 1980 foi por ele mesmo reconhecida. Lembro-me de conversa que tivemos, na época, viajando com ele de Brasília e ele queixando-se de que só conseguia dinheiro para coisas como “estacionamentos periféricos”, que iriam servir para nada. É porque os tecnocratas tinham decidido que se construíssem áreas para estacionamento a fim de se desafogar o trânsito no centro das grandes cidades. Porém, o modelo vigente privilegiava o carro e não promovia o transporte de massa. Aliás, nesse particular, é notável a incompetência dos prefeitos do Recife em promover o bem da coletividade. Nenhum deles investiu fortemente em transporte público decente. A intervenção da prefeitura sob o petista João Paulo na av. Conde da Boa Vista (de boa-fé, sem dúvida) é um desastre social, ecológico, estético e financeiro. Todos sofrem com ela. Nenhum prefeito se empenhou em favorecer, por outro lado, aqueles habitantes da cidade que usam bicicletas. Se esse benefício é um fato corriqueiro em países ricos (Copenhague constitui ótimo exemplo), aqui ser ciclista é concorrer ao timbre de excluído. Interessante, porém, é como o transporte de bicicleta é eficiente. No dia 23 de novembro último, às 18h45, saí com meus alunos de ciências ambientais da UFPE para uma sessão no Cinema da Fundação J. Nabuco (filme Fordlândia). Fomos do CCB (Centro de Ciências Biológicas), na Cidade Universitária, para o Derby. Todos seguiram de carro, menos o aluno Tiago Jatobá, que só anda de bicicleta. Quando cheguei ao cinema (meu carro foi o primeiro a fazê-lo), ele estava no local e já tinha ido ao banheiro. Não gastou nenhuma energia fóssil, fez exercício e não teve os estresses de motorista (embora os ciclistas possam sofrer mais até). Prefeitos, liguem-se!

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