segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Artigo publicado DP, 23 ago 2009

A DESGRACEIRA DO CIRQUE DU SOLEIL
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

O que era para ser evento agradável e salutar – as exibições do Cirque du Soleil em Olinda – transformou-se em transtorno lamentável para o ambiente e população olindenses. Quem quiser comprová-lo é só passar junto do Parque Memorial Arcoverde e olhar para o deserto de cor escura deixado pelo empreendimento canadense que, em sua terra, tem um discurso de proteção ambiental. Onde havia vegetação, árvores, dois campos de futebol (“duas poças de lama”, segundo uma autoridade do turismo de Pernambuco), duas quadras de tênis e mais espaços de lazer restou um tapete duro de enormes paralelepípedos recobertos de cimento e asfalto. As tais “poças de lama” viraram pavimento de praça de eventos. Como lama, serviam para jogos de futebol; do jeito que estão, perderam serventia. Quando muito, poderiam virar estacionamento de automóveis. Foi nisso, aliás, em que se converteu uma área do Memorial Arcoverde durante sua imprópria ocupação pelo Cirque du Soleil. É incrível como isso pôde acontecer em Pernambuco: parque de uso pela população passar a ser estacionamento! Fez-se assim para facilitar a vida dos privilegiados (dizem que foram 50 mil pessoas) que foram assistir aos espetáculos do circo. E ainda se cortaram 30 árvores no local, como se um sacrifício desse para beneficio de caráter limitadíssimo fosse a coisa mais besta do mundo. Na verdade, ele é assim considerado no contexto das atitudes antiecológicas que caracterizam não só as autoridades, mas a própria sociedade brasileira. Muitos dos espectadores do Cirque du Soleil – inclusive gente da minha própria família (nenhum filho meu) – têm preocupações ambientais, mas não se incomodaram nem um pouco diante do fato inconteste de que se cometeu um crime contra a ecologia, à luz de todos e sob a permissão das autoridades, para que os artistas do Cirque se exibissem. Há melhor prova de visão antiecologista?
Já agora, diante do fato consumado, vem a notícia de que o Cirque du Soleil fez uma “doação” de 1,2 milhão de reais para suavizar o prejuízo que causou. Esse é mais um elemento que caracteriza o antiecologismo reinante. Pensa-se que, com dinheiro, se podem compensar perdas ambientais. Fica parecendo que os canadenses são um paradigma de generosidade quando, de fato, cometeram um crime e querem dele se redimir indenizando pelos prejuízos causados. Ninguém perguntou à população beneficiária dos serviços do Memorial Arcoverde o que ela pensava da perda que sofreria com o Cirque du Soleil. Agora, depois da desgraceira, querem consultá-la para definir o que fazer com o presente deixado para recuperação do parque. Fazer novos campos de futebol em cima da pavimentação? Não, isso não pode. Desfazer o espaço endurecido para que nele reapareçam as “poças de lama”? Não: o custo de desmanchar o mal-feito é demasiado. A população pode “escolher” – desde que não peça coisas absurdas.
É curioso como nenhuma autoridade do governo estadual ou da Prefeitura de Olinda se apresentou par desculpar-se do que se fez de equivocado no Memorial Arcoverde. O que se sabe é que nas exibições do Cirque du Soleil não faltou gente desse escalão da sociedade para desfrutar da plasticidade dos artistas da troupe canadense. Que o grupo do Cirque não é nada tolo se percebe dos preços exorbitantes que cobrou na fase da venda antecipada de ingressos. Preços que, nos EUA, custam, no máximo, 150 dólares, valiam aqui quase o dobro. Diante da venda medíocre de entradas, baixaram-se os preços, mostrando como foram bobos os que se apressaram em comprá-las com antecedência. Dessa forma, é fácil ganhar dinheiro. Proteção governamental, destruição do meio ambiente e abuso de consumidores ingênuos – uma fórmula boa que evidencia falta de orgulho de raça e de compromisso ecológico da nossa sociedade. Merece aplausos?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

EcoEco em Cuiabá, agosto 2009







Artigo publicado DP, 9.8.09

CIÊNCIA, TECNOLOGIA – E MEIO AMBIENTE
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

A curiosa composição do secretariado do governo pernambucano não inclui uma secretaria de meio ambiente. O assunto é contido dentro da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectma). Vejam bem: ciência, tecnologia – e meio ambiente. Parece até que os problemas ambientais não sugerem a necessidade de serem tratados em Pernambuco com a atenção que demandam. Assim, o secretário recém-substituído – Aluisio Monteiro – não tem vínculos com a pesquisa em ecologia, em questões sócio-ambientais, em mudança climática, em desertificação, etc. É um doutor em economia, competente, mas sem nada publicado ou objeto de estudo em seu curriculum que o qualifique para tratar da realidade ecológica. Pela formação acadêmica que possui, qualifica-se para dirigir uma pasta de ciência e tecnologia. Nem mesmo isso possui quem assumiu seu lugar: a ex-prefeita de Olinda, Luciana Santos (2001-2009). Não se trata de avaliar o desempenho dela na chefia do executivo olindense: teve altos e baixos. A questão é que, no quesito Sectma, a trajetória de Luciana nada oferece de alentador. Ela teve o mérito de haver colocado o atual ministro de Ciência e Tecnologia (antigo professor seu), Sérgio Rezende, em seu secretariado. Sérgio ficou no cargo dois anos e saiu sem realizar coisas que prometera fazer.
No quesito meio ambiente, é pior o desempenho de Luciana. Pode-se, de boa-fé, dizer que Olinda serve de exemplo em qualquer coisa que seja no plano da ecologia? Seu jardim botânico do Horto Del Rey chegou a ser ameaçado na gestão de Luciana por um projeto esdrúxulo de construção de mirante, com teleférico, no Alto da Sé (a ameaça continua). O adro do convento de São Francisco, bela obra barroca brasileira, foi simplesmente destruído, colocando-se em seu lugar uma praça sem qualquer encanto – e que dificulta a passagem de pessoas e carros. Lugar nobre da cidade transformou-se num logradouro medíocre, apesar dos esforços de quem vive nas redondezas, como o agradável Hotel 7 Colinas, para ajudar a conservar a jóia de Olinda. A omissão completa dos poderes municipais da cidade (é certo que, já agora, na administração de seu sucessor, um prefeito ausente) e do estado de Pernambuco com respeito à destruição perpetrada pelo Cirque du Soleil no parque Memorial Arcoverde mostra bem o perigo em que se acha a gestão ambiental em Pernambuco. Querer atribuir qualificações a Luciana – pessoa amável, simples e atenciosa – para chefiar a Sectma mostra que, em Pernambuco, ainda se adotam práticas que não refletem o compromisso de defesa de valores maiores. Um estado que tem Ariano Suassuna como secretário de Cultura, ator de importância indiscutível na defesa de valores da identidade brasileira e nordestina, assume posição que nega compromissos como os da escolha de Ariano. No mês de julho passado, estive em Manaus para a 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Costumo ir a esse fórum e nunca vi Luciana Santos por lá. Ela não tem familiaridade com a comunidade científica (e menos ainda com a ambientalista). É amiga e ex-aluna de Sérgio Rezende (físico de renome mundial). Essa é sua credencial? Enquanto isso, o Amazonas, governado desde 2003 por um Eduardo (Braga) do mesmo partido de Eduardo Campos (PSB), dá exemplo notável nesse âmbito. Tem uma doutora em serviços ambientais como secretária do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Nádia D'Ávila Ferreira. E como secretário de Ciência e Tecnologia, um doutor com especialidade em desenvolvimento científico, José Aldemir de Oliveira. Ambos estavam na reunião da SBPC. Como conferencistas substantivos, chefiando duas secretarias que formam uma só em Pernambuco. Estamos muito mal das pernas.

sábado, 8 de agosto de 2009