terça-feira, 28 de julho de 2009

Artigo publicado no Diario de Pernambuco, 26.7.2009

A FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO AOS SESSENTA ANOS
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Em janeiro de 1995, recebi convite tentador: assumir a direção do Museu Goeldi (MPEG), em Belém do Pará. Nele eu havia sido membro do Conselho Técnico-Científico durante seis anos. Era familiarizado com o que fazia. Não aceitei. Achava que o encargo deveria ser de pessoa de dentro do Museu, a segunda mais antiga instituição brasileira de pesquisa. Para o lugar apoiei o nome de Adélia Rodrigues, arqueóloga paulista que trabalhava no MPEG. Ela terminou sendo nomeada. Conto essa história porque a mim muito estranhou que o então ministro Cristovam Buarque, da Educação, tivesse escolhido o ex-ministro Fernando Lyra para presidente da Fundação Joaquim Nabuco (FJN) em janeiro de 2003. Cristovam, que foi meu aluno em 1967, anunciou no mesmo dia de sua decisão que a tomara por três motivos: (1) o indicado era ex-ministro: tinha visibilidade; (2) era uma pessoa do diálogo; (3) era seu amigo. Além disso, Fernando Freyre estava há mais de três décadas na direção da FJN. Precisava sair. Perguntou qual era minha reação em face do escolhido. Respondi: “De surpresa”. Ele garantiu: “Lyra ficará por seis meses, para que presida à mudança no sistema de nomeação do presidente”. Instituiria um sistema de eleições, semelhante ao das universidades federais. E comentou: “Você não acha que seis meses é tempo suficiente?” Concordei. Não foi.
Perto de sua posse na presidência da FJN, Fernando Lyra, de quem eu não tinha aproximação, me chamou (via Tânia Bacelar) para uma conversa. Queria que eu ajudasse a aplainar o caminho de sua posse, diante da encrespação (justa) de Fernando Freyre por conta de declaração lamentável – que ele disse a mim que não fizera – de que iria acabar com o “entulho autoritário” na Fundação (fora indagado por jornalistas como se justificava sua escolha para o cargo, em face de sua total falta de familiaridade com a FJN). O ex-ministro era a favor de um entendimento com o outro Fernando. Na ocasião ele me contou que não queria ser presidente do órgão, que só aceitara isso depois de muita insistência (ao longo de uma semana) de Cristovam – que, diga-se de passagem, foi amigo de meninice de Fernando Freyre. Lyra foi enfático: a FJN não era sua “praia”; ele só sabia fazer política, não gostava de ler, e só lera um livro em toda sua vida. Repetiu isso no dia 18.2.03, quando teve reunião com os pesquisadores da FJN. Aliás, deve-se ressaltar sua contundente franqueza, causadora de estupefação, como não poderia deixar de ser, entre pessoas que lêem muito, gostam disso e, ainda por cima, escrevem livros e artigos.
A Fundação Nabuco, que ainda se apresenta como instituição de pesquisa, não poderia, assim, ter tido pior destino do ponto de vista de sua missão original, saída da reflexão amadurecida de Gilberto Freyre em 1949. Basta dizer que ela é a única organização de seu gênero, no Brasil, cujo dirigente não é uma pessoa da área e cuja escolha decorreu de decisão política (mostrando, temos que reconhecer, um equívoco de proporções calamitosas de uma pessoa do calibre de Cristovam Buarque, a quem, ainda nos anos do regime militar, a FJN deu merecidas atenções acadêmicas). Em qualquer entidade científica brasileira, hoje, a escolha do diretor segue processo em que um “comitê de busca” sai atrás da pessoa mais qualificada. É assim no MPEG, no Inpa, no LNCC, no Inpe, na Fiocruz, no CBPF. Pode-se até dizer que, por ser do MEC, o caso da FJN é diferente. Mas aqui valeria o modelo das universidades. O ex-ministro Lyra tem uma história de luta contra a ditadura que não é questionada. Porém, a FJN não é sua “praia”. Isso tem desfigurado a instituição sexagenária que a lucidez do homem de livros Gilberto Freyre criou.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Cartilha de Orgânicos

O Ministério da Agricultura lançou uma cartilha informando a população sobre os benefícios de alimentos livres de agrotóxicos, bem como sobre a questão dos produtos transgênicos que "colocam em risco a diversidade de variedades que existem na natureza". Porém essas cartilhas não serão distribuidas porquea indústria dos alimentos transgênicos (Monsanto), entrou com uma ação que impede a distribuição. A cartilha foi ilustrada pelo Cartunista Ziraldo e ainda é possivel encontrá-la no site:
http://www.aba- agroecologia. org.br/aba2/ images/pdf/ cartilha_ ziraldo.pdf .

SBPC - Manaus julho 2009


Minicurso Introdução à Economia Ecológica (A Economia na Perspectiva da Ecologia) ministrado por Clóvis Cavalcanti na SBPC em Manaus.

Segundo pesquisadores reunidos em mesa-redonda durante a 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Manaus (jul 2009), olhar a Amazônia sob o ponto de vista da perspectiva econômico-ecológica deve provocar uma mudança de paradigma à medida que os problemas e desafios da região passem a ser tratados prioritariamente com enfoque ecológico, antes de o aspecto econômico vir à tona.
Clóvis Cavalcanti, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, destacou que os conceitos de meio ambiente são anteriores à economia. “Mas o meio ambiente pode e precisa existir sem a sociedade. O sistema econômico mundial deve se submeter e ser subordinado ao ecossistema e às leis da natureza”, disse o também membro fundador da Sociedade Internacional para a Economia Ecológica (ISEE, na sigla em inglês) e da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (Ecoeco).




quinta-feira, 23 de julho de 2009

publicado no blog do JC - jul 2009

O ANTIECOLOGISMO BRASILEIRO
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

O Brasil é um país antiecológico? Como professor universitário da disciplina Meio Ambiente e Sociedade, como membro da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, como pesquisador do desenvolvimento sustentável, e agricultor orgânico há 33 anos na minha propriedade, Fazenda do Tao (em Gravatá), não posso deixar de dizer sim à pergunta. De fato, a forma como o meio ambiente é entendido e usado no Brasil corrobora minha constatação. Ao invés de considerá-lo como fonte derradeira e insubstituível de vida, como efetivamente é, a sociedade brasileira – de suas elites e dirigentes às pessoas comuns – só o percebe como fonte inesgotável de recursos para máxima exploração. Paulo Prado, em Retrato do Brasil (1931), diagnostica o problema, atribuindo o espírito antiecológico nacional às origens do país, com seu afã de “cobiça insaciável, na loucura do enriquecimento rápido”. Sérgio Buarque, em Raizes do Brasil (1935), fala da personalidade antiecológica brasileira, caracterizada, segundo ele, pela ânsia de prosperidade a todo custo na “busca oca de títulos honoríficos, de posições e riqueza fáceis”. Em Nordeste (1937), belo livro de reflexão, Gilberto Freyre – primeiro cientista social brasileiro a empregar o “critério ecológico” na análise sociológica, o que faz nessa obra – confirma a percepção de Prado e Sérgio Buarque. Um dado atual a reafirma. Com efeito, do total da Mata Atlântica original, equivalente a 15% do território brasileiro, resta apenas uma fração de 7 por cento. Sem que, a despeito disso, se pare a insana destruição do inigualável bioma da floresta litorânea.

O espírito irresponsável dominante levou a que, agora mesmo, no Parque Memorial Arcoverde – único parque público de Olinda – se permitisse a instalação temporária de um espetáculo, o famoso Cirque du Soleil, à custa da destruição permanente de espaços de uso coletivo e vegetação crescida ao longo de vinte anos. Quem deixou que isso acontecesse? O governo do Estado, a prefeitura de Olinda, os omissos meios de comunicação do estado, a elite que vai assistir aos espetáculos (caríssimos), elite satisfeita com o interesse estreito de ver agora o que não aparece com freqüência aqui. Igual espírito irresponsável, sem compromisso algum com a saúde dos ecossistemas regionais, delira de prazer com a construção de uma refinaria de petróleo em Pernambuco, como se isso fosse a coisa mais inofensiva do mundo. Ora, o aquecimento global – demonstrado cabalmente pela ONU como fenômeno antropogênico – impõe que se reduza no mundo a emissão de CO2, gás que a queima do petróleo libera abundantemente (cada tonelada de combustível gera 3,2 t de dióxido de carbono). Como é que se justifica hoje um projeto que contribui para mais queima desse gás, como o de Suape? Não faz sentido, em um mundo inteligente, a expressão maravilhada da sociedade pernambucana diante da Refinaria Abreu e Lima – salvo por uma visão antiecologista que a permeie.

A visão, certamente, não é peculiar a Pernambuco. Trata-se de um traço nacional. Prova disso é o terrível fato de que a admirável legislação brasileira de proteção ambiental encontra-se atualmente sob ameaça de revogação. Ações no Congresso Nacional, tomadas sob a égide de um grupo que representa não mais que mil proprietários rurais, têm como principal objetivo aprovar novo Código Ambiental, revogando leis como a que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, ou partes de leis como a de Crimes Ambientais e da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros dispositivos. Quer dizer: trata-se de quebrar a espinha dorsal da proteção ambiental no Brasil. A justificativa é chocante, conforme relata a íntegra e admirável Senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente: tudo teria começado quando se quis implementar a legislação ambiental vigente, com restrições ao crédito para infratores, fiscalização de ilícitos em tempo real e medidas inesperadas para conter o desmatamento proibido. Diz a senadora: “Enquanto ninguém estava cobrando, tudo bem. Foi o que ouvi, acreditem: com as tentativas de aplicação da lei, ‘ficou impossível’, e daí veio a avaliação de que tudo teria que mudar”. Mudar a lei para facilitar a destruição. A sociedade, o que faz? Omite-se. É ou não prova do antiecologismo – e do atraso – brasileiro?

domingo, 12 de julho de 2009

Artigo publicado no Diario de Pernambuco em 12.7.2009

ADAPTAÇÃO AO REVÉS
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Sabemos como é sufocante o meio ambiente de nossas cidades. Não há muito que se contemplar nelas em matéria de verde. Em Pernambuco há poucas áreas urbanas onde a população pode relaxar, sentada na relva ou à beira de um lago. Várias cidades do país, porém, oferecem uma riqueza de parques. É o caso de Brasília, com seu grande Parque da Cidade. Ou mesmo Garanhuns com o Pau Pombo e o Euclides Dourado. Porto Alegre proporciona o Farroupilha, enorme; Belém do Pará tem o Bosque (Rodrigues Alves), cheio de vegetação amazônica. O Recife e Olinda não se sobressaem neste aspecto, apesar de algumas áreas verdes relevantes (como Dois Irmãos e o Horto Del Rei, na primeira e na segunda, respectivamente). Olinda possui também o Memorial Arcoverde. Mas este é um espaço inacabado que tem tomado forma aos poucos, sem uma diretriz que diga o que ele vai ser. No começo, pensava-se em usar o terreno, de uns 15 hectares, para a construção de prédios, idéia burra logo abandonada. A população já tinha dado destino ao local. Nele fizera-se um campo de futebol de tamanho oficial. Perto do viaduto, uma cancha para o jogo de malha foi implantada informalmente e ali, nos fins de semana, realizavam-se animadas disputas. No governo Joaquim Francisco (1991-1995) acabou-se com o grande campo de futebol, criando-se dois menores e duas quadras de tênis. O campo de malha foi eliminado. Mais tarde, surgiu o útil Espaço Ciência, afora outras atrações.
Aos poucos, portanto, o Memorial Arcoverde assumiu função significativa, servindo sobretudo à população de baixa renda que o beira a oeste. Sei bem disso, porque vou lá de vez em quando nas minhas corridas matinais, sem contar que passo por ali, de carro, diariamente. Ora, é nesse contexto que parece um desastre a transformação feita neste momento no núcleo do parque para abrigar o Cirque du Soleil. No momento em que o governo pernambucano se expõe com a marca do socialismo e a prefeitura de Olinda ostenta (há mais de oito anos) a sigla do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), soa com um tom de incrível ironia a privatização feita do bem público que é o parque para uma finalidade incompatível com o destino de uma área como aquela. Destruíram-se árvores, vegetação, dois campos de futebol, as quadras de tênis – um patrimônio que era fator de beneficio para bom número de pessoas. Segundo uma autoridade estadual irritada com pergunta de jornalista sobre os campos de futebol sacrificados, aquilo era só “poça de lama”. Sim, os campos ficavam empoçados quando chovia, mas nunca deixou de haver jogo lá, com os atletas de chuteiras e uniformes. Para estes, a poça de lama era uma cancha. A opinião da autoridade bem mostra o desprezo pelos humildes daqueles que podem jogar em campos de futebol-society.
Mais triste ainda é constatar aqui a insensibilidade dos promotores do Cirque du Soleil, que fazem alarde em Montreal (Canadá), de onde vêm, de credenciais eco-amistosas. Se fosse um circo pernambucano que quisesse se apresentar em Montreal, jamais lhe seria permitido fazê-lo em qualquer um dos vinte grandes parques da agradável cidade canadense. Ali, o Parc Mont-Royal, seu mais famoso, possui uma área de 200 hectares – mais de dez vezes o tamanho do Memorial Arcoverde. Ninguém, nele, se atreve a arrancar uma folha sequer. Não só porque isso não se faz em áreas comuns de país desenvolvido, como porque os parques de Montreal primam pela qualidade. As autoridades daqui, quando vão a países como o Canadá, sabem comportar-se de forma civilizada (à custa de muito esforço, talvez). Não jogam papel nem cospem no chão. Parece que uma adaptação reversa (aos maus costumes locais) faz parte da cultura do Cirque du Soleil. Suas credenciais eco-amistosas sumiram. Pena!