domingo, 31 de maio de 2009

Diario de Pernambuco, 31/5/2009

INFERNO DO DESENVOLVIMENTO, CONTINUAÇÃO

Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social

Há exatamente três anos, escrevi nesta página sobre o que chamei de “Inferno do Desenvolvimento”. Servi-me da respeitável revista britânica The Economist, que, em março de 2006, trouxe notícia sobre o Brasil intitulada “Uma nação de não-leitores”. A matéria evidenciava, conforme estudo internacional, a triste realidade da má educação brasileira. O quadro a tal respeito não se alterou desde então. E piorou em pelo menos um aspecto: o tratamento que se dá no país ao meio ambiente. Nesta semana, em que cai o Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente (5 de junho), o sentimento dos que acompanham o infindável esforço de destruir a (boa) legislação ambiental brasileira é de dor e tristeza em face da covardia do governo federal – no que é secundado por muitos estados e municípios – diante da fúria dos inimigos da natureza. Fez um ano neste mês de maio que a digna senadora Marina Silva (PT-AC) renunciou ao cargo de ministra do Meio Ambiente, denunciando as pressões malévolas para que se faça o crescimento econômico no país com mínimos ou nulos cuidados de preservação ambiental: crescimento a todo custo. Os motivos de sua renúncia se agravaram. A Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, em nota de 20.5.09, relata isso. Com o título “O Brasil vive um momento de grande contradição na busca do desenvolvimento com sustentabilidade”, a nota reconhece os avanços recentes na visão sócio-ambiental do País, a exemplo da diminuição no desmatamento da Amazônia e da aprovação do Plano Nacional de Áreas Protegidas, dentre outras ações rumo à sustentabilidade. Mas assinala que o governo, “na atual conjuntura, tem permitido, quando não organizado, ataques às conquistas ambientais, como se elas fossem impedimento para uma nova onda de desenvolvimento que, a um só tempo, dê conta de gerar empregos e distribuir renda e preservar o meio ambiente”. Na verdade, em novembro de 2006, em Belo Horizonte, o próprio presidente Lula da Silva expressou opinião em que considerava o meio ambiente um obstáculo ao desenvolvimento. Daí, parecer com sentido a nota da Secretaria do Meio Ambiente do PT, que aponta como “tropa de choque” dos ataques “a bancada ruralista no Congresso Nacional”. Em agosto de 2005, em Cuiabá, no I Fórum Estadual do Meio Ambiente, ouvi na mesma mesa em que eu também estava sentado (falei depois) dois exemplos antagônicos das opiniões ecológicas no país. De um lado, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, dizia que não havia ameaças do crescimento econômico ao meio ambiente em seu estado, grande demais para abarcar os dois. Do outro lado, a então ministra Marina Silva mostrava que só existe um sistema ecológico, o qual é necessariamente sacrificado quando se quer mais expansão da economia. A opinião do governador (que é a mesma de vários ministros de Lula) tem vencido todos os embates. A da ex-ministra, como se sabe de sua demissão melancólica, não pára de colher derrotas. Neste momento, é terrível o golpe que se dá em diversos flancos contra o arcabouço institucional que confere ao Brasil uma governança ambiental progressista. É o caso da MP 452, sobre o Fundo Soberano, em que, como salienta a nota do PT, foi inserida uma emenda que é “um verdadeiro ‘submarino atômico’, que libera a construção de estradas, mesmo sem licença ambiental”. Na mesma linha, a Presidência da República editou um decreto estipulando o teto de 0,5% para a compensação ambiental (aos causadores de impactos negativos), “um valor muito longe do que estava sendo acordado com o Ministério do Meio Ambiente e insuficiente para coibir a ação dos grandes projetos que provocam danos ambientais”. Esse panorama só faz sofrer aqueles que não enxergam limites na voracidade dos que atacam o meio ambiente no Brasil. Mais um exemplo de inferno do desenvolvimento brasileiro.

sábado, 30 de maio de 2009

Amazônia


Clóvis em Presidente Figueiredo - Amazônia- maio de 2009

Cachoeira

Alunos de Clóvis na Fazenda do Tao | maio 2009


Alunos de Ciências Ambientais UFPE - maio 2009

Aula prática na Fazenda do Tao - Zona rural de Gravatá PE

Verduras orgânicas e mata

Banho na Cahoeira do Alef

domingo, 17 de maio de 2009

Diario de Pernambuco, 17.5.09

DE ONDE VEIO A GRIPE SUÍNA?

Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Assistindo à missa, terça-feira passada, no convento franciscano de Olinda, meu vizinho, fiquei pensando no que o celebrante falou em sua homilia. Ele chamou a atenção para certos mistérios que cercam o surto da nova gripe, chamada de suína no começo, e agora conhecida pela cepa de seu vírus (H1N1). Com razão, notou que há mais gente infectada nos EUA do que no México. Conjeturou acerca da hipótese de o surto da enfermidade estar ligado a alguma iniciativa de laboratório inescrupuloso que teria feito a combinação fatídica de vírus humanos, aviários e suínos, jogando-a na população para vender medicamento que combata o mal. Comentou ainda que a dengue está matando muito mais, no mundo todo, do que a nova gripe. E perguntou aos fiéis: “Vocês não acham que há algo estranho aí?” Certamente, há muita coisa estranha. A primeira delas é que não se vê qualquer discussão sobre as origens, a razão de ser da pandemia. Como, onde e em que momento ela surgiu? Não seria o caso de descobrir o foco e procurar evitar que ele desencadeie ameaças ainda maiores? O que se vê são apenas iniciativas para evitar a propagação do surto, cuidados recomendados para que o contágio seja o menor possível, conselhos para que as pessoas procurem socorro médico, etc. Nada contra isso, mas que explicações existem para um fenômeno do qual não se falava há menos de dois meses?
Sobre o assunto, reportagem cuidadosa do último número da revista semanal americana Newsweek (11-18 de maio) traz informações e reflexões bastante úteis. Ela chama a atenção, por exemplo, para o que denomina “estranha ecologia que criamos para alimentar de carne nossas volumosas populações humanas”. Trata-se de um mundo assustador no qual bilhões de animais são confinados em espaços minúsculos, ali mantidos apenas para comerem – e comerem muito, a fim de adquirem peso exagerado em pouco tempo. Circulam na Internet artigos com fotos horrorosas que mostram a maneira como galinhas são criadas em granjas ou gansos preparados para que seus fígados inchem e produzam muito material para os famosos patês de foie gras. Os perus da tradição norte-americana do Dia de Ação de Graças, como diz uma escritora dos EUA (Martha R. Gore), não têm nada a ver hoje com os que os peregrinos que iniciaram a tradição comiam há 200 anos. São criados em gaiolas, de modo que não se movimentem, fiquem com os pés atrofiados e peitos enormes, com carne macia. Perus criados soltos têm carne dura, pois andam muito, sobem em árvores, correm, etc. Enfim, desenvolvem seus músculos. Os de capoeira apresentam essas características, do mesmo modo que galinhas.
A situação dos porcos é terrível. Já fui a uma criação “moderna” dos bichos no estado do Rio de Janeiro e fiquei penalizado. Durante sua vida toda, o porco desse modelo de pecuária não sai de um cubículo, no qual só pode ficar voltado para uma única direção, a do cocho da comida. Ali, ele é entupido de ração e, atrás, elimina seus excrementos. Tal realidade é a de uma enorme fazenda suína, de propriedade americana, no remoto município mexicano de La Gloria. A respeito, diz Newsweek: “Essa é a ecologia que, nos casos de porcos e galinhas, está cultivando a influenza. Trata-se de uma ecologia que promove uma evolução viral”. Foi em La Gloria que o garoto Édgar Enrique Hernández, no dia 2.4.09, manifestou o que se considera como primeiro caso da nova gripe (na verdade, ela ocorreu pela primeira vez, com certeza, no dia 7.12.05, no estado de Wisconsin – EUA, produto da combinação H1N1 de vírus humano, suíno e aviário). Certamente, os porcos não têm nada com isso; nem os galináceos. Toda a culpa é da espécie humana, com sua gula, sua ganância – como bem definiu o franciscano de Olinda. Só nos resta pedir a S. Francisco que nos ajude a deixar de brincarmos de feiticeiros e a respeitar as leis pétreas da natureza.

domingo, 3 de maio de 2009

DP, 3 maio de 2009

FALTA DE ESPÍRITO REPUBLICANO

Clóvis Cavalcanti
Economista e pesquisador social

Se precisássemos de demonstração clara do baixo espírito republicano da sociedade brasileira, o episódio recente das viagens internacionais dos nossos congressistas serviria para dirimir qualquer dúvida. O que é que se entende por conduta republicana de quem ocupa cargos públicos no contexto de uma sociedade civilizada? Basicamente, agir no interesse da coletividade, na defesa do patrimônio comum, sem a captura privada da coisa pública (ou res publica, em latim). Sobre isso, é interessante assinalar o lema que se adota hoje na França, um país que sempre deu exemplos nessa questão: “liberdade, igualdade, fraternidade, republicanismo, laicismo”. Viajar com dinheiro do contribuinte, sem qualquer relação com o serviço prestado à população pelo detentor de cargo público, caracteriza uma situação de “captura privada” do que pertence a todos. Foi isso, sem sombra de dúvida, o que aconteceu quando, usando saldos de viagens não feitas, parlamentares de diversos partidos financiaram viagens suas ou de pessoas que lhes são próximas.
O que diria o CNPq de pesquisador que tivesse viagem patrocinada a um congresso científico e levasse junto, com dinheiro repassado pelo órgão e que porventura apresentasse saldo, mulher, namorada, amante, filho, genro, enteado, sogra? Começa que os cientistas normalmente apresentam conduta republicana. Mas se agissem pelo exemplo dos deputados, imediatamente sua prestação de contas seria impugnada pelo CNPq. Na verdade, é freqüente que pesquisadores tirem dinheiro do próprio bolso para financiar despesas de participação em congressos científicos. E olhe que não ir a eventos da ciência é ponto negativo para a carreira de um pesquisador, o qual deve falar o idioma – normalmente, inglês, mas que pode ser francês, espanhol, alemão – do evento. Sabe-se que não é comum entre deputados e senadores brasileiros o domínio de vários idiomas (às vezes, dominam mal o próprio idioma pátrio). Daí parecer ainda mais absurdo que tanta gente tenha viajado para – olhem os destinos – Paris, Nova York, Madri, Roma, Miami, Frankfurt. Em março de 2003, sentado ao meu lado na abertura de um seminário científico internacional na Fundação Joaquim Nabuco, o então prefeito João Paulo, do Recife (de quem não tenho aproximação), me disse que só iria viajar daí em diante a países que falassem português (esse intento, como se sabe, não foi levado a efeito). Sua justificativa: não se aproveita bem uma viagem quando não se conhece a língua do país visitado (ou outra que possa ser usada). Como já visitei 60 países, sei que o prefeito estava certo. No meu caso, sempre pude me comunicar em algum idioma do lugar onde estive. No Saara, francês e inglês; em Sri Lanka e na Malásia, inglês; na Suécia, inglês, etc. Os congressistas não têm obrigação de falar outras línguas, mas se querem tanto viajar para o exterior com dinheiro público, é necessário, ao menos, que consigam comunicar-se adequadamente aonde forem.
Essa ressalva, evidentemente, não serve de razão, sequer do modo mais remoto, para o caso de familiares e amigos que os representantes eleitos da população mandassem para fora do país com fundos do Tesouro nacional. Tentar defender o desvio de conduta observado como se ele não fosse nada demais só contribui para a constatação da pobreza de republicanismo que existe na sociedade brasileira. Pior é ver que esse atributo se estende como um vírus potente na camada que mais deveria servir de paradigma do zelo, da austeridade, com que se precisa cuidar do patrimônio público no país. Na verdade, vivemos numa nação em que se visa à concentração da riqueza sem qualquer pudor. Em artigo que li há pouco sobre os extremos de riqueza no mundo, uma observação me chamou a atenção: “Você não vai querer sair por aí numa Mercedes reluzente se seu vizinho está sofrendo”. Neste ponto, evidentemente, a questão recai no campo da ética, o qual, também, tal como o republicanismo, está em falta no Brasil.